Borges, o gato |
RIO
- À primeira vista, a vida de Borges, um gato branco de 2 anos, é trivial.
Borges dorme 16 horas por dia. Borges come ração para gatos castrados. Borges
toma banho de dois em dois meses. Borges vive num apartamento em Jacarepaguá, e
vê o mundo pela rede que o impede de cair da janela. Borges come, dorme,
acorda, ronrona; come dorme, acorda, ronrona.
À
segunda vista, a vida de Borges tem roteiro quase onírico. Borges é um gato
público. Borges tem 27 mil seguidores no Facebook. Borges tem um site, onde “escreve”
contos e dá dicas sentimentais. Borges pertence a Vinícius Antunes, de 36 anos,
coordenador de uma escola privada, que diz gastar de duas a três horas por dia
atualizando as informações do gato na internet.
—
Quanto mais autoral o site ficou, mais seguidores ganhou. Esta semana criaram
um fã-clube do Borges em São Paulo. Mas não tenho objetivo de ficar rico. É uma
distração — diz Antunes.
Distração
que, nos Estados Unidos, levou o cinegrafista Will Braden, de 33 anos — dono do
gato Henri —, a abandonar a antiga vida como câmera de casamentos; ou o
publicitário Mick Szydlowski, de 38 anos — proprietário de Oskar —, a deixar a
gerência de marketing numa marca de energéticos. Hoje, ambos viraram agentes,
promotores e empresários de seus gatos.
Gatos
são esculpidos e pintados às centenas desde o período do Egito antigo. Gatos
são filmados e postados aos milhares desde o advento do YouTube. Mas gatos
foram alçados ao status de ícones da cultura pop desde que Maru, um felino
japonês da raça Scottish Fold, amealhou 210 milhões de visualizações ao se
deixar filmar entrando e saindo de caixas. Maru, que fez fama a partir de julho
de 2008, abriu caminho para que a classe dos gatos-celebridades se
multiplicasse (recentemente, ganhou até um rival conterrâneo, Shishi-maru,
sucesso no Instagram).
Dona
da gata Tardar Sauce — ou, para os fãs, Grumpy Cat (gata rabugenta) — Tabatha
Bundsen não deixou o trabalho de garçonete num restaurante do Arizona. Mas, com
ajuda do irmão, que se tornou empresário do animal, criou uma coleção de
camisetas, canecas, calendários e dezenas de outros cacarecos que vende na
internet e em supermercados como o Wal Mart.
Hoje,
a comunidade de Grumpy Cat no Facebook é seguida por 900 mil pessoas. A Amazon
publicará sua biografia em outubro. Grumpy Cat já foi a Nova York duas vezes,
visitou pacientes com câncer, apareceu em programas de auditório, foi perfilada
pela “Time” e pelo “New York Times”. Em abril, Dustin Timbrook, diretor de
mídia do Lowe Mill Arts Centre, uma galeria de arte no Alabama, pediu que os
alunos de uma oficina fizessem quadros inspirados na gata.
—
Escolhi a Grumpy Cat porque queria atingir um público maior na internet. O
resultado de mídia superou minha expectativa — diz Dustin. — Ela tem uma
expressão hilária. Se artistas continuarem a criar trabalhos a partir dela,
pode se tornar um ícone.
Cego
dos dois olhos, o gatinho Oskar não é tão popular no campo das artes plásticas.
Ainda assim, rendeu ao seu dono, o americano Mick Szydlowski, um prêmio de US$
15 mil pelo vídeo em que aparece brincando com uma bolinha de tênis.
—
Foi no Friskies Contest — explica Mick. — É uma mini versão do Oscar para gatos.
Oskar
foi alçado ao estrelato em outubro de 2011, quando um vídeo em que aparece
brincando com um secador de cabelo foi postado no YouTube.
—
Ele tinha o hábito de brincar com o secador da minha mulher. Coloquei no ar
para minha família assistir. Quando percebi, o vídeo já tinha 50 mil
visualizações. De um momento para o outro, Oskar ficou popular — diz o dono.
Um
ano depois, Mick se valeu do prestígio conquistado pelo animal para lançar um
site (oskarandklaus.com) e saiu do antigo trabalho. Vende coleiras, bolsas,
ímãs e outros produtos com a cara do felino. Diz que espera atingir US$ 250 mil
em vendas neste ano.
—
Oskar não tem ideia de nada que aconteceu. A única coisa que mudou é que agora
ele recebe mais visitas. Neste mês estamos esperando pessoas da Austrália e da
Suécia que querem conhecê-lo. Ah, e ele também ganhou um novo arranhador — diz.
Mick
teoriza:
—
Oskar mostra que é possível viver bem mesmo se a vida te dá pouco. Ele é um
antídoto contra a Grumpy Cat, que desperta a negatividade das pessoas.
O
engenheiro musical americano Mike Bridavsky, de 33 anos, tatuou sua gata Lil
Bub no braço e na barriga. Pudera: ele sanou seis meses de aluguel atrasado com
dinheiro ganho às custas do animal.
Portadora
de uma osteoporose que lhe atrofiou os ossos e deixou seu queixo à Noel Rosa,
Lil Bub seguiu o clássico roteiro felino rumo ao estrelato. Seu dono postou sua
foto no Tumblr, a imagem foi compartilhada, os fãs pipocaram aos milhares, Bub
ganhou página no Facebook e no Twitter, site, filme, livro, o resto é história.
Em
abril, o média-metragem “Lil Bub and Friends” (Lil Bub e amigos), produzido
peala revista “Vice”, levou o prêmio de Melhor Filme Online do Festival de
Tribeca. Mike, que detém os direitos sobre a marca “Lil Bub”, foi coprodutor.
Ele diz já ter doado US$ 15 mil para abrigos para felinos.
Mike
diz que, de início, estranhou a situação:
—
Achei tudo muito louco. Mas as mensagens que recebi eram inspiradoras, eu
estava de fato ajudando as pessoas. Um sujeito de 40 anos me escreveu dizendo
que tinha perdido o emprego, que seu cavalo tinha morrido e que tinha sido
abandonado por sua mulher. Mas que, por sorte, havia topado com a página da Lil
Bub, para ele uma alegria. É louco, mas é isso que ela faz pelos outros. Ela
passa a mensagem de que ser diferente é bom.
É
o oposto da mensagem passada pelo felino Henri. Filmado por seu dono, o
cinegrafista americano Will Braden, de 33 anos, Henri protagoniza nove vídeos
melancólicos em preto e branco, todos no YouTube. “Falando” em francês, o gato
levanta indagações niilistas sobre a vida. “As 15 horas que durmo não surtem
efeito. Acordo para o mesmo tédio, esquecido no chão”, ele diz, numa peça
assistida 7,5 milhões de vezes.
No
ano passado, resolveu retomar a ideia. Uma marca de ração patrocinou quatro
novos vídeos. Will roteriza, filma, compõe e dubla o animal. Henri ainda teve
sua vida contada em livro, mantendo o negativismo contumaz.
—
O pessimismo dele é absurdo, ridículo. — diz Will. — Um gato vivendo numa casa
em Seattle é um gato que ganhou na loteria. Seu maior problema existencial é se
vai se esconder debaixo da cama uma vez ou outra.
Em
2012, Henri venceu o Cat Video Festival (festival de vídeos de gato), do Walker
Art Centre, de Minneapolis. Para Scott Stullen, curador da mostra, os vídeos de
felinos representam uma forma de arte.
—
O gato é indiferente à câmera. É fácil projetar sentimentos humanos nele.
—
aponta. — Cães saem à rua. Gatos ficam a maior parte do tempo em casa. A
calçada deles virou a internet.
Fonte: O Globo
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